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Casa dos Cariris

26 de abril de 2009

Amo a comida mexicana e tenho tido pouquíssimas oportunidades de degustar uma que seja ‘de verdade’. Dentre as minhas últimas tentativas, está um taco muito sem graça que eu fiz em casa, um poblano mole em lata que uma colega mexicana trouxe do México e que estava super apimentado, e por aí vai!

Por isso, não podia ter ficado mais feliz quando ouvi falar da Casa dos Cariris, do casal mexicano Lourdes e Felipe. Os jantares e almoços acontecem na casa deles e você precisa conhecer alguém que já esteve lá e te passa o e-mail da Lourdes, envia um e-mail para ela para fazer parte do mailing e aguarda o convite. 

Fui lá! Por coincidência, me sentei com o Julinho e a Talita, do blog Papo de Boteco, que já acompanhava, do Alberto, do blog Carne Crua, que agora acompanho, da Cecília e do Leonardo.  

Para descrever o cardápio, copio abaixo fragmentos do e-mail convite enviado pela Lourdes, que além de cozinhar, também escreve maravilhosamente bem. 

Não fique com medo. Esses jantares acontecem pouquíssimas vezes. Preciso colocar um monte de gente a comprar coisas em lugares distantes, levar na hora certa, embrulhado de certa maneira e depois gastar em quarenta chamadas de longa distância para que Felipe não se esqueça de guardar tudo nas malas. Esta vez ele só esqueceu as tortillas, as gorditas e os sopés feitos a mão. Não adianta.

E olha que eu sofri: Felipe, os escamoles têm que ficar na geladeira. Felipe, não esqueça os escamoles, Felipe, eles são muito delicados. Felipe, quer que eu ligue antes de você sair para o aeroporto para fazer um check list?…

O RITUAL E O CARDÁPIO

  • Começaremos com uma tostada de cebiche. Só que este cebiche leva tomatillo verde e chile manzano. Ô, falei tomatillo, o que significa não o tomate, que já em si é uma delícia, se não aquele outro miúdo, de sabor concentrado, silvestre e selvagem.E claro, tostadas de forno, só milho e textura.
  • Depois abalone, das águas frias do mar de Cortés, com esse seu sabor intenso de mar e correntezas, emoldurado por esse plebeu tarado conhecido como chipotle.
  • Calamares (lulas) Manchez para voltar a território mais conhecido. O verniz de beterraba dá um sei lá que divertido a essas lulas quase picantes.

Aqui, uma pequena pausa. PAUSA.

E eu não devia, não, porque as únicas bebidas incluídas no preço são águas e refrigerantes, e uma margarita de boas vindas na chegada. Mas tudo bem, aqui é preciso fazer um brinde, lavar a boca ou suja–lá –bem melhor- dessa outra bebida de agave que é o mezcal. Só um pouquinho, é boa, não é? Salud!

  • E agora os escamoles, sem comentários. São vocês que falarão depois, se quiserem.

NOVA PAUSA. Posso falar mais uma coisa? É melhor você ir sabendo porque MÉXICO É O PAÍS DO OTIMISMO… Porque frente à morte ainda temos o último recurso do VUELVE A LA VIDA (Volta à vida, bicho)

  • Vuelve a la vida para todos, que ainda faltam os pratos principais.
  • Arroz com cola de buey cozinhada em vinho e 5 chiles secos com cuitlacoche. É, o cuitlacoche é aquele cogumelo preto que cresce no milho, é o mesmo. E esse é um prato bom. Os calamares Manchez e esse são de Benito Molina, chef querido e amigo talentoso.

E agora sim, a verdadeira surpresa. Inédita, obscena (fora de cena) transgressora… 

  • No México, junto com as famosas carnitas (de suíno, fritas, torradinhas) os feriados e sobretudo nos domingos, se vende para levar ou comer nos lugares certos, barbacoa; que significa carne feita num buraco –en pan piensa quien hambre tiene- bom, e parte do ritual de comer essa carne de borrego, é o molho que a veste, molho feito com pulque.

O pulque também é uma bebida de agave, só que a diferencia do tequila e do mezcal que são destilados, ele se consume como uma bebida fermentada. Para obtenção do pulque, os tlachiqueros –vem de tlachique, pulque sem fermentar- se apropriam da parte central ou “coração” do maguey, raspam sua cavidade com uma colher e protegem a “ferida” que se formou usando as folhas (pencas) que já foram arrancadas. Dai vai brotar o aguamiel, a seiva da planta, e eu já viajei quilômetros para bebê-la. Fermentado o aguamiel se transformará em pulque. Bom, o pulque não viaja, é uma bebida que morre logo, que além disso é mal vista, tem baba, as pessoas têm preconceito, virou a bebida dos pobres, dos “índios” a partir da Revolução. Bebida esquisita, dizem. Mas tacos de barbacoa sem salsa borracha era melhor nem pensar em barbacoa. E eu risquei esse prato de meu caderno… Até agora. ¡Estou com pulque em casa! ¡Vou fazer salsa borracha! Vocês vão comer barbacoa cozinhada no vapor na cutícula do maguey. E com tortillas quentes vão colocar pedaços de cordeiro e salsa borracha e fazer um taco. É isso. E assim como as entradinhas, deixem a sobremesa comigo. Prometo que não ficarão desapontados demais. FINAL DA HISTÓRIA

O e-mail da Lourdes continua, e conta a aventura que foi o voô do Felipe com os escamoles do México para São Paulo, fantástica. 

Este foi, sem sombra de dúvidas, um dos melhores jantares da minha vida. Os escamoles e o arroz com cola de buey cozinhada em vinho e 5 chiles secos com cuitlacoche entram nos 10 melhores pratos que eu já comi. Foram os que eu mais gostei e vou sonhar com o dia que a Lourdes e o Felipe vão conseguir trazer mais um pouco dos ingredientes necessários para São Paulo, ou no dia que eu for ao México. 

Poderia continuar escrevendo sobre o jantar por muito e muito tempo, mas, por agora, prefiro continuar digerindo esta saborosa experência enquanto vocês digerrem o também saboroso texto da Lourdes.